segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ele tinha esse problema...

     "Ele tinha esse problema. Seus sentimentos eram tão intensos quanto o de três homens juntos. Odiava o fato de ser desse jeito e culpava a si mesmo por falta de controle sobre suas emoções. Às vezes, quando tinha a oportunidade de estar sozinho, torturava-se ao refletir sobre seu passado, destacando os defeitos durante todas as etapas. Rebobinar todas aquelas memórias e junto com elas, os sentimentos ruins de uma perda seguida de outra e de mais outra, sabendo que não poderia mudar nada. Era sua maneira de mostrar o quanto era alérgico a si mesmo.
     Muitos tentavam descrever diferentes emoções em palavras. Ele, por experiência própria, podia afirmar que palavras não eram o suficiente. Palavras, palavras. Era só o que eram. Não transpareciam a verdadeira dor de quem as escrevia. Não aliviava a dor de quem as escrevia. Ao menos não a dele. A dor dele era diferente: mais intensa, mais abundante.
     Ele guardava um pequeno caderno encadernado a couro vermelho misturado aos livros de sua estante, onde o mesmo se camuflava perfeitamente. Toda noite ele se aproximava dessa pequena biblioteca particular e recolhia seu livreto para uma nova anotação. Sentava-se sempre na mesma poltrona de veludo a 180 graus da janela e então começava a folhear enlouquecidamente as páginas anteriores, até alcançar um fino pedaço de cetim marcando uma página vazia. A data era escrita no topo da folha, respeitando um ritual diário e, assim, numa nova linha, ele começava. Seguiam-se um, dois parágrafos sem muitos problemas.  
     Desta vez ele não queria se permitir a ler o que escreveu, mas como sempre, não respeitou as próprias barreiras. A cada frase lida, seu rosto demonstrava mais rugas de discordância. De nada servia seu conhecimento se fosse para preencher com aquele vazio das palavras erradas. Desacreditando de seu próprio potencial, rabiscou sobre a folha até que apenas letras perdidas pudessem ser enxergadas. De certa forma, aquele borrão condizia mais às suas emoções do que as soterradas palavras que antes escrevera. Folheou antigas páginas, revelando diferentes rabiscos, algumas com mais ou menos letras à mostra, outras rabiscadas com mais intensidade e outras com menos. Uma variedade delas em cada página.
     Percebeu que sua vida não passava de apenas rabiscos em páginas soltas. Vivia à deriva, não possuía um grande objetivo, apenas estava lá. Sua marca na história eram apenas páginas e mais páginas de lamentações. Se sentia insatisfeito com isso e se achava muito velho para reverter essa situação. Acreditava que não adiantava uma grande mudança em sua vida.
     Em um dia cinzento, achou alguém que era que nem ele. E juntos, tramavam contra o mundo e contra eles mesmo. Eram apenas dois grandes rabiscos, enfrentando o mundo."


     Um texto empoeirado e inacabado. Um amigo escritor. Uma história inspirada em meus próprios problemas misturados aos dele e a criação de um personagem complexado. Foram praticamente 2 anos segurando um conjunto de palavras sem a ânsia de seguir em frente com elas, sem motivação para terminar uma pequena história que não ia a lugar algum, mas que agora foi. E foi por acaso, foi sem querer (querendo).
     Meus agradecimentos ao Lucas Seixas, intrigante escritor nos tempos livres e dono do blog Caixa de Devaneios, por encaixar um ponto onde eu enxergava reticências. Só com a ajuda dele me senti segura em finalmente mostrar a outras pessoas um pouco mais do que minhas mãos escrevem e minha cabeça pensa :)

3 comentários:

  1. Obrigado! Apenas dei um empurrãozinho em um texto que já prometia muita coisa...

    Continue com o bom trabalho! ;)

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  2. Uau! Texto muito bem escrito, consegui me identificar com ele, menos na parte de "viver à deriva". A gente pensa que isto é um problema só nosso, mas aí se descobre que mil e uma pessoas também passam por isso.

    Beijos! || ape56.blogspot.com

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  3. @Lucas: Sério Seixas, obrigada mesmo! :D
    @Natália: Eu estava pensando em dizer que fiquei feliz por você ter se identificado com um texto porque normalmente isso deve ser uma coisa boa, mas como o contexto implica uma pessoa meio conturbada fica meio contráditório... Mas muito obrigada mesmo, Natália, fico feliz ao menos por você poder dar sua opinião. Espero que continue no mundo dos blogs, viu?
    E às vezes é reconfortante saber que não somos apenas nós que estamos passando por tal problema porque podemos encontrar pessoas que sabem da dor que passamos por compartilhar do mesmo sentimento :)

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